Uma das marcas de calçados mais conhecidas dos cariocas, a Mr. Cat entrou com pedido de recuperação extrajudicial no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). A companhia tem dívidas de R$ 93,270 milhões. A informação foi antecipada pelo colunista Ancelmo Gois.
Fundada em 1981, a companhia conta hoje com 200 funcionários diretos e 109 lojas franqueadas que, juntas, somam outros 1.500 colaboradores. A rede tem ainda 32 fornecedores. O pedido foi distribuído em 17 de março e ainda não há uma decisão da Justiça.
Segundo o pedido feito pelo escritório KCB Advogados, a companhia afirma que a medida é reflexo dos “incansáveis esforços” para lidar com a crise no setor calçadista. A empresa lembra que as dificuldades financeiras começaram com a pandemia da Covid-19, em 2020 e 2021, que “impactou severamente” o segmento devido às restrições de circulação, políticas de distanciamento social e ao fechamento temporário de lojas físicas.
A rede lembrou ainda que a interrupção das cadeias de suprimento e a mudança nos padrões de consumo levaram a uma queda de 44% nas vendas durante 2020 em comparação com o ano anterior. Mesmo com o fim da pandemia, a empresa afirma que “a recuperação econômica do setor foi lenta, o que comprometeu a evolução dos negócios para a plena reversão do quadro”.
“Vários fatores contribuíram para uma recuperação mais lenta do setor, sendo certo que as mudanças no comportamento social e a crise econômica alteraram a demanda por produtos não essenciais, como calçados, assim como o desarranjo das cadeias produtivas gerou uma inflação nos insumos, aumentando os custos do produto final. Além disso, as despesas com aluguéis de lojas, especialmente em shoppings, sofreram reajustes expressivos”, disse a empresa em seu pedido à Justiça.
Nesse cenário, a Mr. Cat destacou ainda a concorrência com empresas chinesas e o ambiente de juros elevados no Brasil. Citou também que a tragédia natural ocorrida no Rio Grande do Sul, um dos principais polos calçadistas do país, agravou ainda mais a situação do setor, comprometendo a produção e a recuperação do mercado. A companhia mencionou ainda a crise da Americanas, que, segundo ela, impactou diretamente o mercado de crédito privado, “fazendo com que as linhas ficassem mais caras e escassas para as companhias nacionais”.
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Com isso, a rede fechou diversas lojas, passando de 173 espaços em janeiro de 2020 para 109 até o fim de maio. A companhia afirma que essa retração resultou em um aumento da inadimplência dos franqueados junto à Mr. Cat e seus fornecedores licenciados, além de provocar uma queda significativa nas receitas da franqueadora.
Além do fechamento de lojas, a empresa disse ter sofrido com uma alta de 45% no custo do aluguel entre 2020 e 2021. “A Mr. Cat se encontra em um sensível quadro de dificuldades financeiras, não só para honrar de imediato os compromissos já assumidos com fornecedores e bancos diversos, mas, consequentemente, também para equacionar os seus demais passivos e custos correntes”, afirmou.
Ao justificar seu pedido de recuperação extrajudicial, a empresa alega que, visando criar um ambiente favorável à manutenção da companhia no mercado de forma sustentável e competitiva, já conta com a adesão de 53,88% dos créditos.
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A companhia reiterou ainda que segue negociando com os seus credores, de modo a buscar conferir maior celeridade e eficácia às medidas de implementação do plano e de pagamento de suas dívidas, bem como fomentar a adesão de novos credores colaboradores. Por fim, a rede afirma que pretende alcançar a plena readequação financeira dos negócios, com a composição dos passivos para reorganizar as atividades da companhia e solucionar os impasses com os credores.
Entre os credores estão os bancos Bocom, Banco do Brasil, Santander, Caixa Econômica Federal e Itaú, além de grupos ligados a shoppings como Iguatemi Campinas, Shopping Tijuca, JK Iguatemi e Shopping Center Eldourado.
“É a medida mais barata”, diz especialista em reestruturação
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Segundo o especialista em reestruturação Rodrigo Gallegos, sócio da consultoria RGF, a empresa escolheu a recuperação extrajudicial porque já conquistou o apoio de credores com a maioria dos créditos e precisava neutralizar o risco de vencimento em cascata das dívidas.
“Ao meu ver foi uma estratégia acertada da empresa e do escritório que a assessora. Com esse percentual de adesão, os demais credores, principalmente os de difícil negociação, são obrigados a escolher uma das opções do plano, ou seja, são dragados para o plano. Com a taxa básica de juros elevadíssima e margens pressionadas, renegociar em bloco é a única forma de reconfigurar o passivo sem matar a operação. No varejo de calçados, quem sobreviveu à pandemia ficou alavancado e sem um acordo coletivo essa conta não fecha.”
O especialista lembra que de modo geral é que uma das dificuldades das empresas de varejo é a dificuldade de conseguir novas linhas de crédito.
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“As recuperações extrajudiciais que fizemos recentemente funcionam porque força a negociação mesmo de quem não aceita conversar. É a medida mais barata, mais rápida e tem menos burocracia que uma recuperação judicial. Então faz sentido para a empresas que estão avançadas nas negociações e com credores mais controlados, além de que agrada mais as instituições financeiras dadas as questões de recuperação do crédito e perdas definidas”, afirma Gallegos.
Alta em pedidos de recuperação judicial
Levantamento da consultoria RGF & Associados, responsável pelo Monitor de Recuperações Judiciais, 4.881 companhias entraram em processo de reestruturação no primeiro trimestre deste ano – maior que os 4.203 dos primeiros três meses do ano passado.
Após a indústria, com 1.112 pedidos entre janeiro e março deste ano, o setor de serviços lidera os processos de recuperação judicial (1.105), seguido por comércio (996), infraestrutura, energia e saneamento (992), agropecuária (341) e outros setores (335).
Segundo Roberta Gonzaga, consultora da RGF e especialista em reestruturação, 80% das empresas que encerraram seus processos de recuperação judicial no primeiro trimestre de 2025 retornaram à operação ativa.
“Apesar do crescimento do número de casos, a recuperação judicial segue demonstrando ser uma ferramenta eficaz para reorganização de empresas viáveis. O problema maior é que muitas vezes a empresa chega tarde demais ao processo, com problemas tão avançados que inviabilizam a recuperação.”
A expectativa da RGF é que o número de reestruturações continue a crescer ao longo de 2025, refletindo a desaceleração da economia e os desafios enfrentados por setores intensivos em capital.