Médicos alertam para riscos de Ozempic e semelhantes manipulados em evento da SBEM

2025-03-21T161239Z_413525030_RC2KH6A9B7JK_RTRMADP_3_HYPERA-SEMAGLUTIDE.jpg

Um alerta sobre o uso inadequado dos remédios que têm revolucionado o tratamento do diabetes e da obesidade, como o Ozempic e seus semelhantes, e sobre o risco da disseminação de versões manipuladas no Brasil fez parte do primeiro seminário “Entre a ciência e os atalhos”. O evento, realizado pela Editora Globo junto à Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), reuniu grandes especialistas no assunto na manhã desta terça-feira no Rio de Janeiro.

Com quatro painéis de discussão e mediação do médico e comentarista da rádio CBN, Luis Fernando Correa, o seminário abordou desde os avanços significativos dos medicamentos para tratar as duas doenças até as fronteiras legais e éticas, com desafios como contrabando, manipulação, falsificação, e os riscos da desinformação online.

O foco foi o cenário referente aos análogos de GLP-1, classe à qual pertencem a semaglutida, princípio ativo do Ozempic e do Wegovy, da Novo Nordisk, e a tirzepatida, do Mounjaro, da Eli Lilly. Os remédios trouxeram benefícios inéditos em especial no combate à obesidade, com reduções do peso que chegam a 25%.

— Existe uma interface muito grande do diabetes com obesidade, e é extremamente importante que tenhamos fármacos que atuem nos dois, favorecendo a perda de peso. A obesidade é uma doença crônica, e assim deve ser tratada. Hoje temos esses novos tratamentos que se tornaram uma ferramenta extremamente importante — disse Ruy Lyra, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e coordenador do departamento de Diabetes da SBEM.

Ele lembrou que ambas as doenças têm um impacto crescente: segundo a Federação Mundial da Obesidade, mais de um bilhão de pessoas no mundo vive com obesidade, 880 milhões de adultos e 159 milhões de crianças e adolescentes. Já a Federação Internacional de Diabetes estima que 589 milhões de adultos são diabéticos.

Neste contexto, os análogos de GLP-1, que simulam a ação de um hormônio de mesmo nome no corpo, são cada vez mais populares. Amelio Godoy Matos, endocrinologista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explicou como esses fármacos funcionam:

Continua depois da publicidade

— Toda vez que nos alimentamos, liberamos sinais para a saciedade e para produzir insulina e metabolizar aquilo que estamos comendo. O que esses remédios fazem é exatamente isso, ativando esses sinais, e com isso controla-se o peso e a glicemia. São extremamente eficazes, o problema são os usos inadequados.

Além do uso indevido por pessoas que não têm uma indicação médica, muita vezes associado a uma questão estética, os endocrinologistas contaram ver com preocupação a disseminação de versões manipuladas e falsificadas dos remédios no país.

— Vemos clínicas vendendo medicamentos de origem irregular, desconhecida. Pessoas trazendo como contrabando, sendo que a estabilidade da molécula dessas substâncias depende de conservação térmica. E temos a manipulação em série, que nos preocupa muito. Farmácias de manipulação se transformaram em verdadeiras indústrias — afirmou o endocrinologista e médico do esporte, diretor de Comunicação da SBEM, Clayton Macedo.

Continua depois da publicidade

No Brasil, medicamentos aprovados pela Anvisa podem ser manipulados para casos específicos, como dosagens ou apresentações necessárias para um determinado paciente que não são comercializadas pelas fabricantes. Por serem personalizadas, farmácias de manipulação não podem ter estoques dos remédios ou fazer propagandas, apenas preparar o produto mediante prescrição médica.

Porém, como a semaglutida e tirzepatida são protegidas por patente, ou seja, não há ainda a venda de versões genéricas mais baratas, farmácias de manipulação têm aproveitado a popularidade dos remédios e oferecido produtos que supostamente seriam a mesma formulação a preços mais em conta.

— Mas quando falamos de manipulados, não há os requisitos rígidos de um medicamento da indústria, ele não é avaliado pela Anvisa. É possível trazer o insumo sem mesmo um lado de controle de qualidade ou a qualificação dele. E não existe monitoramento de efeitos pós-comercialização como é feito com os remédios aprovados pela Anvisa — lembrou Rosana Mastellaro, diretora técnico regulatória de Inovação no Sindusfarma.

Continua depois da publicidade

Além disso, os análogos de GLP-1 são moléculas novas e complexas, difíceis de serem sintetizadas, o que preocupa os especialistas por não haver como saber de fato se os itens manipulados são os medicamentos ou não, acrescentou Felipe Alves, diretor jurídico de Compliance e Propriedade Intelectual da Interfarma.

Eles citaram o caso de falsificação identificado no final do ano passado no Rio de Janeiro, quando uma mulher foi internada com um caso grave de hipoglicemia (níveis baixos de açúcar no sangue). Ela acreditava fazer uso do Ozempic, mas o produto, na realidade, era uma versão adulterada que continha insulina.

— O perigo desses produtos é você usar algo que é ineficaz para o tratamento da sua patologia ou inseguro porque ele não vai fazer aquilo que se espera no organismo — explicou Dirceu Raposo de Melo, ex-diretor da Anvisa.

Continua depois da publicidade

O evento “Entre a ciência e os atalhos” teve apoio das farmacêuticas Novo Nordisk e Lilly e participação de Associação Médica Brasileira (AMB), da SBD, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), da Febrasgo e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME).

Desinformação e pressão estética

O encontro abordou ainda os riscos das informações falsas e da divulgação de fórmulas mágicas nas redes sociais. A presidente eleita da SBEM, Karen Faggioni de Marca, lembrou a pressão estética que pode ser gerada pelas mídias, criando um terreno fértil para a venda de itens com promessas milagrosas sem segurança ou eficácia garantidas:

— O Instagram é o principal veículo em que as pessoas podem se basear numa questão de corpo. Vemos uma associação importante de transtornos de imagem corporal influenciados pelas redes sociais, que vendem imagens com filtros, com edições.

Continua depois da publicidade

O médico e diretor financeiro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Marcelo Luís Steiner lembrou ainda o caso de deepfakes, como do médico Drauzio Varella, que são vídeos feitos com inteligência artificial para simular grandes personalidades vendendo suplementos sem eficácia ou segurança comprovadas.

Mais lidas