Para especialistas, recuo sobre IOF atende ao mercado financeiro

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A decisão do governo federal anunciada na manhã desta sexta-feira (23), de revogar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para um determinado tipo de transação, como as remessas e investimentos de brasileiros no exterior, revela, mais uma vez, o poder do mercado financeiro na definição da política econômica do país em detrimento dos interesses sociais. A avaliação é de especialistas em política econômica ouvidos pela Agência Brasil.

Nesta sexta-feira, antes da abertura dos mercados, o governo voltou atrás em medidas anunciadas no dia anterior. Na quinta-feira (22), os Ministérios da Fazenda e do Planejamento tinham divulgado aumento do IOF para aumentar a arrecadação, como forma de recompor o orçamento público e mitigar o bloqueio de R$ 31 bilhões, anunciado na ocasião. 

No pacote, subiu para 3,5% o IOF sobre remessas de recursos para investimento no exterior, assim como para aplicações em fundos fora do Brasil. Com a revogação, a primeira operação voltou ao patamar anterior, de 1,1% de IOF, já a segunda, foi liberada da cobrança.

Segundo o anúncio da Fazenda, o aumento do IOF anunciado para as compras com cartões de crédito (de 3,385 para 3,5%) não foi alterado, assim como a taxação sobre compra de moeda em espécie (de 1,1% para 3,5%) e os empréstimos externos de curto prazo (não era cobrado imposto e agora será de 3,5%).

Nesta sexta, o ministro justificou o passo atrás no IOF alegando a intenção de reduzir “distorções” no objetivo de arrecadar R$ 20,5 bilhões para cumprir a meta fiscal. 

No entanto, na avaliação do professor de economia da Universidade Federal Fluminense UFF), Filipe Leite, o recuo do governo atende apenas uma camada específica da população e foi tomada após a pressão dos mercados. “Das medidas todas, as que foram desidratadas [pelo governo] foram as remessas ao exterior e as aplicações de brasileiros no exterior”, pontuou Leite. “Então, quem faz essas atividades? Somente uma camada privilegiada tem o recurso suficiente para esse tipo de operação. Do ponto de vista geral, o restante da população continua sendo afetado (pelo aumento do IOF)”, pontuou.

Fundo público

Leite explicou que, no Brasil, as políticas econômicas “visam a apropriação do fundo público ou a reorganização dele”, de acordo com os interesses do setor financeiro. Com essa linha de pensamento, o professor acredita que os mais ricos passaram de novo a mensagem de que não querem pagar pelos investimentos sociais.

À imprensa, na quinta, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que a Previdência Social cresce acima das projeções, tendência que não deve ser revertida com o envelhecimento da população brasileira, e é um dos responsáveis pela pressão nos gastos, assim como o Benefício da Prestação Continuada (BPC), pago aos mais pobres.

“O mercado está dizendo, de novo: não vamos pagar essa conta, dos gastos com a Previdência [Social] e o BPC, resolvam entre vocês, remanejem o dinheiro, não vamos contribuir”, interpretou Leite. “É um método que se repete sempre que tem aumento de carga tributária para financiar qualquer gastos social”, completou.

A proximidade entre as decisões da Fazenda e os interesses do mercado financeiro são convergentes também na visão da professora Maria Malta, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ela, o recuou do governo em relação ao IOF para algumas operações apenas deixou a relação nítida. “O governo recuou atendendo a um grupo social, os ricos, que, quando reclamam,  são atendidos. Para nós, a maior parte da população, o recurso foi contingenciado”, avaliou a professora, fazendo referência ao afrouxamento na cobrança do IOF com o bloqueio de R$ 3,1 bilhões do orçamento do país.

“A explicação [do governo] é de que se trata de ‘segurar um pouquinho’, não se trata de ‘corte’, mas de cumprir a meta de déficit zero, definido pelo arcabouço [fiscal] “, disse a professora. A política, do arcabouço, impõe regras para os gastos do governo, inclusive, com penalidades. Mas o argumento do governo é controverso, defendeu. 

Contingenciamento

“Todas as vezes que há contingenciamento, na ponta, a sociedade é prejudicada, na universidade, nos hospitais, nas áreas de infraestrutura, porque os gastos são retardados e as unidades não conseguem executar o orçamento ou pagar as dívidas. Isso obriga o fechamento de serviços, como restaurante universitários”, disse.  Malta explicou que o governo não pode cortar os gastos obrigatórios com saúde e educação, mas pode bloqueá-los, remanejando recursos de uma rubrica para a outra, como explicou Haddad. 

Na prática, segundo Malta, o governo aliviou o bolso do setor da sociedade que vive de renda de investimentos feitos fora do país e apertou o financiamento de serviços públicos, que tendem a ser precarizados a partir do bloqueio anunciado na quinta-feira para o setor público. “As principais medidas que tinham a ver com recolher mais impostos sobre os ricos, fundamentalmente, as ligadas ao IOF, sofreram recuo. Então, não tem nenhuma surpresa, é uma tentativa de não cair na própria armadilha que o governo criou para si mesmo [o arcabouço] e foi ajustada novamente em cima da qualidade dos serviços públicos e direitos da população”, concluiu.

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