O “balde de água fria” que os riscos fiscais trouxeram após forte euforia do mercado

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Bom demais para ser verdade? Mais uma semana intensa para os mercados mostrou que os fatores de risco, colocados nas notas de rodapé em relatórios recentes que revisaram para cima as projeções para os ativos domésticos, roubaram a cena e abalaram o mercado nas últimas sessões.

Após um começo de semana de otimismo e com o Ibovespa fechando acima de 140 mil pontos pela primeira vez na história na última terça-feira (20), uma série de acontecimentos levou o benchmark da Bolsa a cair nos pregões seguintes, ainda que mostrando certa resiliência. O alarme está ativado.

Casas como o Morgan Stanley e Safra, que recentemente elevaram as suas projeções para o benchmark da Bolsa, ressaltaram a possível deterioração fiscal como um dos fatores de risco do mercado, mas apontaram que uma possível mudança política e o fim próximo do ciclo de alta de juros seriam fatores para ânimo do mercado.

Porém, durante as últimas três sessões, os riscos fiscais predominaram – e não só no Brasil, como nos EUA, ainda que sendo atenuados ao longo das sessões.

Nos EUA, enquanto o mercado ainda repercutia o rebaixamento da classificação de risco dos EUA pela agência Moody’s na sexta passada, outro fator entrou no radar.

A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou nesta quinta-feira (22) um pacote de Donald Trump que reestrutura a política fiscal americana reunindo cortes de impostos e restrições a programas sociais, ao mesmo tempo em que aumenta gastos militares. O texto ainda precisa passar pelo Senado, mas já provoca efeitos no mercado e levanta questionamentos sobre o futuro da dívida do país. Leonardo Neves, analista da Constância Investimentos, apontou que essa notícia de mais gastos, pressionando os juros por lá e também afetando os mercados locais.

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A aversão a risco sobre os EUA ganhou ainda outros contornos na sexta, com questões sobre tarifa comercial voltando ao radar. Isso após o presidente dos EUA, Donald Trump, dizer que está “recomendando uma tarifa fixa de 50% para a União Europeia”, após reclamar que as negociações comerciais estão estagnadas.

Mas a grande repercussão doméstica se deu de verdade com os riscos fiscais no Brasil. No meio da semana, a questão era sobre  uma medida provisória (MP) sobre o setor elétrico que institui a chamada “justiça tarifária”, ampliando a gratuidade da conta de luz para milhões de pequenos consumidores e com alguns profissionais mencionando preocupações de que a nova legislação possa ter impactos negativos para as contas do governo.

Mas foi na quinta que houve uma grande reviravolta. No meio da tarde da véspera, o mercado brasileiro chegou a se animar após o governo anunciar uma contenção de R$ 31,3 bilhões em gastos dos ministérios para cumprir regras fiscais, incluindo um contingenciamento de R$ 20,7 bilhões e um bloqueio de R$ 10,6 bilhões. Sem essa contenção, o resultado primário de 2025 seria de déficit de R$ 51,7 bilhões — fora da meta do governo para o ano.

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O mercado aprovou os números em um primeiro momento, já que a expectativa era de contenção entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. Na prática, a mensagem passada pelo governo seria de disciplina fiscal.

Porém, a notícia do lado de ampliação de receitas, sendo mais detalhadas perto do leilão de fechamento da véspera, abalou o mercado. O governo havia anunciado na quinta-feira as elevações do IOF, com previsão inicialmente de arrecadação de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026.

De acordo com o Ministério da Fazenda, seria unificada em 3,5% a alíquota de IOF sobre uma série de operações de câmbio que contavam com diversas alíquotas mais baixas.

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Contudo, dada a forte repercussão negativa do mercado, a Fazenda voltou atrás em parte das medidas. Em publicação no X perto da madrugada da véspera, o ministério afirmou que, “após diálogo e avaliação técnica, será restaurada a redação… que previa a alíquota zero de IOF sobre aplicação de investimentos de fundos nacionais no exterior”.

Ainda segundo a pasta, será “incluído no decreto o esclarecimento que remessas destinadas a investimentos continuarão sujeitas à alíquota atualmente vigente de 1,1%, sem alterações”. Em coletiva durante a manhã, Fernando Haddad ainda afirmou que o contingenciamento poderia ser ampliado por conta dessas revisões – o que foi bem recebido pelo mercado.

Para a LCA Consultores, a decisão do governo e da Fazenda de voltar atrás em parte do aumento do IOF algumas horas após o anúncio inicial mostra que a cúpula do governo percebeu que precisava corrigir a medida para minimizar o impacto negativo sobre o mercado.

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Contudo, do ponto de vista político, mesmo após o recuo parcial no aumento do IOF, a decisão aumentará o desgaste do governo junto aos meios empresariais e alimentará o discurso da oposição contra o aumento de impostos realizado pelo governo. “Haddad voltará a ser chamado de Taxad nas redes sociais. É previsível também que haja reação negativa no Congresso ao congelamento e bloqueio porque a medida reduzirá em cerca de R$ 8 bilhões os recursos disponíveis para emendas parlamentares”, aponta a equipe de analistas políticos da casa.

Para José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos, a cobrança depois revertida sobre os recursos de fundos de investimentos enviados para o exterior sequer deveria ser cogitada.

“Ao invés de assumir os problemas fiscais já comentados pela ministra Simone Tebet (de que o país ficará ingovernável a partir de 2027 com este arcabouço), o governo resolve elevar a tributação. Adicionalmente, se a tributação aumenta (aumenta a receita do governo), as despesas obrigatórias que são indexadas à receita também subirão. E, o custo extra das empresas, com as novas alíquotas, de alguma forma será repassado: aumento de preço (inflação) ou redução de margem (menores investimentos)”, aponta o especialista, mostrando desconfiança com relação a ajuste das contas públicas.

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Volatilidade no radar

João Arthur Almeida, CIO da Suno Wealth, aponta que, olhando para frente, pode-se esperar maior volatilidade. “O risco fiscal mais elevado exige maior prêmio nos ativos locais — o que significa preços menores e, consequentemente, algumas oportunidades pontuais para quem estiver bem posicionado”, avalia.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno, aponta que, apesar do recuo parcial, o episódio revelou os desafios do governo em equilibrar arrecadação e confiança. “Um alerta importante sobre como medidas mal calibradas podem gerar efeitos macro, micro e reputacionais relevantes”, avalia.

Para Diego Costa, head de câmbio para o Norte e Nordeste da B&T XP, o episódio reforça que, num ambiente fiscal mais sensível, não é só o conteúdo das medidas que importa, mas também a forma como elas são comunicadas e implementadas. “Quando há ruído, o preço aparece na hora, tanto na curva de juros como no câmbio e nos ativos de risco”, aponta.

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