Escalar o Monte Everest normalmente leva semanas, sendo a maior parte desse tempo passada no sopé da montanha, adaptando-se ao ar rarefeito. Mas quatro britânicos grupo de britânicos foi de Londres ao cume do Everest e voltou em menos de uma semana com a ajuda de gás xenônio, de acordo com o organizador da expedição. Eles pularam o período de adaptação, em parte, inalando uma arma secreta: gás xenônio.
O feito abalou o mundo do montanhismo e motivou uma investigação por parte do governo nepalês, já que o uso do gás é intensamente debatido. Algumas pesquisas demonstraram que o xenônio pode aclimatar pessoas rapidamente a grandes altitudes, embora alguns especialistas afirmem que os benefícios, se houver, são insignificantes e os efeitos colaterais de seu uso permanecem obscuros.
Os organizadores disseram que o gás era essencial para a velocidade da escalada, mas sua abordagem provocou um debate mais amplo que atinge o cerne do montanhismo: escalar o Monte Everest, uma das maiores conquistas do esporte, deveria ser mais fácil — acessível a mais pessoas durante férias rápidas — com a ajuda de um intensificador de desempenho?
— É uma provocação, especialmente para montanhistas tradicionais, que se sentem mal com a ideia de escalar o Everest em menos de uma semana — disse Lukas Furtenbach, organizador, em entrevista por telefone, da base da montanha. — Isso mostrou que pode funcionar.
Furtenbach disse que, a partir de 2026, planeja oferecer excursões de ida e volta de duas semanas ao Monte Everest usando gás xenônio, reduzindo o tempo típico necessário para escalar a montanha em várias semanas.
— Este pode ser o futuro do montanhismo guiado comercialmente no Monte Everest — disse ele.
Continua depois da publicidade
Para quem vive em altitudes mais baixas e já viajou para as montanhas, o desconforto do mal da altitude é bastante evidente. Os sintomas incluem náuseas, dores de cabeça e sono interrompido e, em alguns casos, pode levar a inchaço cerebral ou até mesmo à morte.
À medida que você sobe, menos oxigênio é absorvido pela corrente sanguínea a cada respiração. É por isso que tantas pessoas que escalam o Everest usam oxigênio suplementar.
O xenônio, um gás inodoro, é conhecido há anos por ativar uma molécula chamada fator induzível por hipóxia (HIF), que também é ativada quando as pessoas se aclimatam a pouco oxigênio, disse Hugh Montgomery, professor de medicina intensiva na University College London e montanhista que liderou uma expedição ao Monte Everest para estudar como os humanos respondem ao pouco oxigênio.
Continua depois da publicidade
— Então, o que essas pessoas afirmam ter feito foi basicamente encontrar uma maneira de ativar a adaptação aos baixos níveis de oxigênio — disse.
O grupo pegou o que era conhecido da ciência médica, ele disse, “e agora aplicou, recreativamente, ao montanhismo esportivo”.
Especialistas também alertaram que a automedicação com xenônio, que tem efeitos anestésicos, pode levar à overdose ou morte, e mais estudos são necessários para entender como o gás funciona e seu uso no montanhismo.
Continua depois da publicidade
No Monte Everest, as semanas de treinamento e aclimatação nos níveis mais baixos da montanha são normalmente necessárias para sobreviver à “zona da morte”, a área acima de 8 mil metros onde o ar é particularmente rarefeito.
O grupo britânico, que incluía quatro ex-membros das forças especiais, adotou uma abordagem diferente. Cerca de 10 semanas antes da expedição, os homens começaram a dormir em tendas hipóxicas, que reduzem os níveis de oxigênio no ar e gradualmente aclimatam os caminhantes às condições do Monte Everest, disse Furtenbach.
Embora tendas hipóxicas tenham sido usadas por alguns alpinistas durante anos, a grande inovação para a expedição britânica ocorreu duas semanas antes da excursão, quando os homens voaram para Limburg, Alemanha, nos arredores de Frankfurt, onde um médico, Michael Fries, estava fazendo experiências com gases inalados em sua clínica.
Continua depois da publicidade
Os homens usavam máscaras conectadas a ventiladores enquanto um anestesista introduzia lentamente níveis mais altos de xenônio em seus sistemas.
Furtenbach, que experimentou gás xenônio em suas próprias viagens de montanhismo desde 2020, disse que, após o tratamento, os usuários sentiram uma respiração melhor e a sensação de mais volume pulmonar, e “quando você faz seu treino ou exercício, você se sente melhor”.
Após chegar à base do Everest, o grupo britânico escalou o cume em menos de três dias, o que, segundo Furtenbach, foi um dos tempos mais rápidos para um grupo que não havia se aclimatado à montanha. (De acordo com o governo nepalês, o recorde de subida mais rápida no geral pertence a Lakpa Gelu , um sherpa, que chegou ao topo da montanha em pouco menos de 11 horas.)
Continua depois da publicidade
A rápida subida da expedição britânica e o uso do gás chamaram a atenção do governo nepalês, e as consequências foram rápidas.
‘Contra a ética da escalada’
Himal Gautam, diretor do departamento de turismo do Nepal, responsável por regulamentar expedições nas montanhas do país, disse em uma entrevista que usar o gás era “contra a ética da escalada” e que prejudicaria a indústria do turismo do país e os sherpas que ajudam os escaladores, reduzindo seu tempo na montanha. Gautam disse que seu departamento estava investigando o uso do gás pelos alpinistas britânicos, um dos quais, Alistair Carns, também é membro do Parlamento.
— A realidade é que, se eu tivesse de seis a oito semanas para escalar o Everest, eu escalaria, mas sou ministro e não tenho tempo — disse ele. — O que fizemos foi provar que é possível reduzir o prazo com segurança.
Outros na comunidade de montanhismo alertaram contra o uso do gás.
Em janeiro, a Federação Internacional de Escalada e Montanhismo, uma rede global que promove e protege o esporte, divulgou uma declaração afirmando que não havia evidências de que o gás xenônio melhorasse o desempenho, acrescentando que “o uso inadequado pode ser perigoso”. A federação observou que o xenônio está na lista de substâncias proibidas da Agência Mundial Antidoping desde 2014 e não é aprovado em todos os países.
Furtenbach argumentou que suas expedições ainda usavam sherpas — cinco acompanharam os alpinistas britânicos até o cume — e que tempos mais curtos na montanha eram mais seguros, pois reduziam a chance de os alpinistas serem expostos a outras ameaças à saúde, incluindo avalanches, hipotermia ou quedas.
Ele disse que a proibição do gás pela Agência Mundial Antidoping não se aplica ao montanhismo porque este não é um esporte competitivo regulamentado.
— Será mesmo uma boa ideia que todos possamos ter o que queremos, quando queremos, tão rápido quanto queremos? — perguntou o professor Montgomery. — Será que estamos perdendo o sacrifício que às vezes é preciso fazer para alcançar a conquista? Não sou um crítico. Mas talvez vencer todas as colinas em alta velocidade signifique perder a alegria que poderia ter.