Decreto do IOF pode levantar questionamentos jurídicos, avaliam tributaristas

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O aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), definido pelo Ministério da Fazenda, levanta dúvidas jurídicas entre tributaristas, que apontam possibilidade para questionamentos nos Judiciário e falta de clareza em pontos do decreto.

Na quinta-feira, o governo recuou parcialmente e decidiu manter em zero a alíquota do IOF sobre aplicações de fundos nacionais no exterior, mas manteve a cobrança de 3,5% para compra de moeda e compras com cartão de crédito e pré-pagos internacional. A medida também incluiu aumento de alíquotas em operações de crédito para empresas e até para planos de previdência.

Imposto federal com carácter regulatório, o IOF pode ter as alíquotas alteradas por decreto, sem precisar passar pelo Congresso. O objetivo deveria ser extrafiscal, ou seja, voltado a políticas monetária ou cambial. Para o tributarista Gilberto Ayres, do escritório Ayres Westin Advogados , no entanto, há base legal para questionar se houve desvio de finalidade no decreto, mirando um propósito arrecadatório.

— Seria um tributo para regular o mercado não para objetivos arrecadatórios. Mas a Fazenda deixou claro essa intenção — opina o advogado, que acrescenta, no entanto, que o Judiciário costuma ser reticente a esse tipo de argumento.

O professor da FGV e advogado tributarista Carlos Eduardo Navarro lembra que um movimento anterior de enfraquecimento progressivo do IOF, alinhado à agenda de entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

— É uma sinalização ruim, porque o IOF estava sendo esvaziado, inclusive em termos arrecadatórios, e agora renasce como instrumento de política fiscal — avalia.

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Ao apresentar a medida, o governo indicou que as medidas iriam corrigir distorções e fechar brechas de evasão, como no caso dos planos da incidência do imposto para fundos de previdência VGBL. Mas também destacou que medida visava gerar R$ 20,5 bilhões em arrecadação este ano, e R$ 41 bilhões em 2026.

Risco sacado como crédito

O economista e advogado Eduardo Fleury concorda que questionamento sobre desvio de finalidade poderá aparecer, mas dificilmente prospera no judiciário, dada a ampla margem de discricionariedade do Executivo em casos parecidos. Ele cita, no entanto, outros pontos que abrem dúvidas, como no caso das operações de risco sacado passarem a ser consideradas operações de crédito.

— É uma questão que está no limbo no direito brasileiro porque o risco sacado poderia ser olhado como simplesmente uma transação de venda de títulos— avalia Fleury, fundador do escritório FCR Law, que diz que este tem sido um ponto levantado pelo mercado.

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Comum especialmente no setor varejista, o risco sacado é a operação em que uma empresa antecipa o valor a receber de uma venda feita a prazo por meio de um título com uma instituição financeira. Ao assumir o risco, o banco paga à empresa o valor acordado antes do vencimento da dívida.

Com o novo decreto, essas operações passam a ser tratadas como operações de crédito, o que, na prática, impõe a incidência de IOF. Para Fleury, no entanto, o decreto não deixa claro exatamente quem vai pagar IOF nas operações.

A confusão, diz ele, está na redação do parágrafo 24, que estabelece que “a instituição” será responsável pela cobrança e pelo recolhimento do imposto, enquanto “o devedor” será o contribuinte. Uma das dúvidas, segundo o advogado, é se os fundos de recebíveis (FIDC), também serão atingidos pela cobrança:

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— Se tributar só o canal da instituição financeira, você abre um caminho enorme para os FIDCs não serem tributados. Na prática, criaria um desequilíbrio. Se tributar os dois, encarece o crédito nos dois canais.

O advogado Laércio Uliana, especialista em Direito Aduaneiro e Tributário, concorda que a reclassificação do risco sacado como operação de crédito pode abrir espaço para disputas jurídicas. Ele avalia ainda que, do ponto de vista econômico, o decreto deve sofrer pressão de empresas que atuam com logística internacional, como as do setor de commodities, já que a alíquota do IOF subiu de 0,38% para 3,5% em pagamentos de serviços no exterior, como fretes.

— O impacto econômico é relevante. Em setores como o de commodities, onde a margem é apertada, o aumento no custo do frete pesa diretamente na operação.

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