Antes mesmo de ser uma notícia oficial, a possibilidade de a seleção brasileira ter um uniforme que usa cores que não estão na bandeira nacional causou uma repercussão imediata. A polêmica invade os programas esportivos, as mesas de jantar e até as rodas nos bares. Afinal, por que uma marca faria uma mudança tão drástica como colocar a maior seleção do mundo usando vermelho após décadas trajando o uniforme “canarinho” e a opção azul, como especulou o Footy Headlines, site especializado no tema?
A possibilidade, que ainda não foi confirmada pela CBF — e nem pela fornecedora dos uniformes Nike — é mais um exemplo de jogadas de marketing que de tempos em tempos acontece: a ruptura intencional com o tradicionalismo em prol de ousadia estética, narrativa e, claro, comercial.
Há alguns ganchos que podem ser usados na campanha de lançamento, como o exemplo que o Brasil já usou vermelho em 1917, por exemplo.
André Vianna, consultor de marketing esportivo com passagens por marcas como Adidas e Puma, explica que o desenvolvimento de uma nova camisa segue diretrizes estratégicas bem definidas. Ele já participou recentemente da criação dos uniformes do Palmeiras com ambas as marcas.
“Existe uma diretriz da marca fornecedora de material esportivo para guiar os novos lançamentos. São tendências de moda, de cor, de conceito que todos os clubes dessa marca devem seguir”.
“Depois disso, há um trabalho colaborativo com o clube para levantar possíveis datas comemorativas, desejos da torcida, ações futuras e vontades da diretoria. Alinhando essas diretrizes da marca com a colaboração do clube se desenvolve uma camisa, um produto com menor risco de rejeição”, destacou.
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Produto x tradição
Eduardo Corch, professor da Insper e consultor de marketing, destaca que a campanha de lançamento poderia até usar a cor do pau-brasil, madeira muito encontrada no Brasil na época do descobrimento e que é apontada por historiadores como a responsável por nomear o nosso país. Ele destaca a importância entre o produto e a tradição.
“A camisa de uma seleção nacional de futebol é um dos principais símbolos de sua cultura, que transcende o esporte. Não significa que outras cores estejam proibidas, mas qualquer mudança deve respeitar o contexto histórico e cultural que o time representa”, analisou Corch.
“O ‘efeito novidade’ é uma ferramenta poderosa na indústria de material esportivo. Os fãs de esporte são movidos por lançamentos. E lançamentos ‘fora do padrão’, como essa camisa vermelha, costumam gerar ainda mais repercussão e vendas”.
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Segundo ele, embora o risco de rejeição exista, principalmente quando se trata de um símbolo nacional, as marcas avaliam cuidadosamente o custo-benefício. “Na maioria das vezes, esse risco e ousadia valem a pena e trazem bons resultados”.
Usando sua experiência recente, Vianna destaca que o desempenho esportivo pode influenciar diretamente nas vendas. “Perder de 3 a 0 para um grande rival na estreia da nova camisa pode ter um impacto negativo. O contrário também é verdadeiro”.
Exemplos de ousadias parecidas não faltam. Em 2016, a Juventus, da Itália, tradicionalmente conhecida pelo uniforme listrado em preto e branco, adotou uma terceira camisa cor-de-rosa — uma homenagem à sua história, já que o clube já usou a cor no passado.
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Na Copa do Mundo de 2018, a Nigéria ganhou as manchetes com um uniforme alternativo vibrante, com estampas geométricas em verde neon, que virou fenômeno de vendas e moda e, em 2026, pode usar cor de rosa. Chamada de Celeste, a seleção do Uruguai já usou a vermelha. A Alemanha, em 1994, também surpreendeu ao usar uma camisa com grafismos coloridos no peito — um design até hoje lembrado pelos fãs.
Clubes brasileiros também já testaram novas paletas. O Corinthians lançou camisas roxas, laranjas e até douradas, sempre gerando reações intensas da torcida. O Palmeiras já desfilou uniformes em tons de verde-limão, dourado e prata. O São Paulo homenageou a cidade com uma camisa cinza. No exterior, o Barcelona vestiu laranja fluorescente, o Real Madrid lançou um modelo verde-limão e o Manchester United usou rosa.
Ousadia
No entanto, nem toda ousadia é bem recebida. “Lançar uma camisa diferente é de fato um risco maior”, alerta Vianna. “Normalmente, camisas diferentes são lançamentos de um terceiro uniforme ou um uniforme comemorativo, com volumes mais baixos, criando desejo no torcedor. Se der certo, pode haver um ‘sell-out’ mais rápido e assertivo”.
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Ele complementa: “No caso da Seleção, uma troca de cor da camisa 2 para a Copa de 2026 é uma situação totalmente atípica. Tudo dependerá da execução, da campanha, de como será divulgada a camisa e também do desempenho do país na Copa”.
No fim das contas, a discussão revela mais do que preferências estéticas: trata-se de como o futebol se conecta com identidade, memória e mercado. Entre torcedores nostálgicos e consumidores curiosos, há espaço para debate — e, quem sabe, para novas cores. Seja ela vermelha ou não, a camisa da Seleção para 2026 já cumpriu uma de suas funções: gerar expectativa e conversa. E isso, no marketing esportivo, é o primeiro passo para o sucesso.