Ousadia ou evolução natural? Emirados Árabes vão usar AI para reescrever leis

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Enquanto a maioria dos países ainda debate os limites do uso da inteligência artificial por canais oficiais, os Emirados Árabes Unidos se preparam para um passo gigantesco: o próprio Xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum, que acumula os cargos de vice-presidente e primeiro-ministro, anunciou há poucos dias que a tecnologia será utilizada para conectar, analisar e, eventualmente, sugerir mudanças nas leis do país.

O príncipe disse na última reunião de gabinete que foi criado um Escritório de Inteligência Regulatória com o objetivo de reunir todas as leis federais e locais dos Emirados Árabes, conectando-as por meio de inteligência artificial com decisões judiciais, procedimentos executivos e serviços públicos.

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“O novo sistema nos permitirá rastrear o impacto diário das leis nas pessoas e na economia, usando dados em larga escala, e vai sugerir regularmente atualizações em nossa legislação”, afirmou Al Maktoum, segundo relato da mídia estatal, reproduzido na rede social X. “O sistema será vinculado aos principais centros de pesquisa globais para seguir as melhores políticas e práticas legislativas internacionais, adaptando-as às circunstâncias únicas dos Emirados Árabes Unidos”, disse o xeique.

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A potência econômica da região tem se destacado nesse campo tecnológico. Embora os Emirados Árabes tenham se posicionado apenas na 20ª posição no Índice Global de AI de 2024 da Tortoise Media, o país está bem melhor ranqueado nos subíndices de infraestrutura (16º lugar), pesquisa (12º), desenvolvimento (9º) e na intensidade do uso (13º). A lista geral, liderada pelos Estados Unidos, inclui 83 países – o Brasil está na posição de número 30 do ranking.

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Outras medidas

Pelos cálculos oficiais, a IA ajudará a acelerar o processo legislativo em até 70%, reduzindo o tempo e o esforço necessários para pesquisa, redação, avaliação e promulgação de leis. O xeique descreveu a decisão como uma “mudança de paradigma.

A iniciativa faz parte de um esforço mais amplo nos Emirados Árabes Unidos para aplicar a IA em serviços governamentais, planejamento econômico e infraestrutura.

O judiciário dos Emirados Árabes Unidos e os tribunais especializados já investiram pesadamente em IA. O Ministério da Justiça já usa sistemas como o Virtual Legal Advisor e bots de direito de família.

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Além disso, no ano passado, o Ministério anunciou a “Aisha”, sua primeira funcionária virtual operando com IA generativa, capaz de conversar com usuários judiciais e fornecer a eles o status e os procedimentos de seus processos, informa o site Middle East AI News.

Essas inovações regulatórias, segundo a reportagem, não apenas aumentam a eficiência e a transparência, mas também reforçam a ambição dos Emirados Árabes Unidos de estabelecer novos padrões em governança de IA e integração de tecnologia jurídica em serviços públicos.

Reações entre pesquisadores

O tema foi tratado pelo Financial Times nesta semana. Rony Medaglia, professor da Copenhagen Business School, disse ao jornal de finanças que o país parece ter uma “ambição subjacente de basicamente transformar a IA em algum tipo de co-legislador” e descreveu o plano como “muito ousado”.

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Vincent Straub, pesquisador da Universidade de Oxford, por sua vez, alertou que o projeto pode enfrentar muitos desafios e armadilhas. Para ele, isso varia desde a IA se tornando inescrutável para seus usuários, até preconceitos causados por seus dados de treinamento e questões sobre se a tecnologia interpreta as leis da mesma forma que os humanos. Ele disse ainda que, embora os modelos de IA tenham sido impressionantes, “eles continuam a alucinar [e] têm problemas de confiabilidade e robustez”. “Não podemos confiar neles.”

Ainda segundo o FT, Keegan McBride, professor do Oxford Internet Institute, comentou que os autocráticos Emirados Árabes Unidos tiveram “mais facilidade” em abraçar a digitalização abrangente do governo do que muitas nações democráticas. “Eles são capazes de se mover rápido. Eles podem experimentar coisas.”

Havia dezenas de maneiras menores pelas quais os governos estavam usando a IA na legislação, disse McBride, mas ele disse não ter visto um plano semelhante de outros países. “Em termos de ambição, [os Emirados Árabes] estão bem perto do topo”, declarou.

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