14 anos de prisão, cinco anos de mandato como presidente, mais de 60 anos casado com Lucia Topolansky, incontáveis polêmicas e uma quantidade ainda maior de aliados e admiradores. Esses são alguns números da vida de José “Pepe” Mujica, que, por muitos anos, foi considerado “o presidente mais pobre do mundo”. O ex-presidente morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos.
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Mas sua vida é mais feita de palavras do que de números, uma vez que suas declarações, que o levaram à presidência do Uruguai em 2010 e o alçaram a uma das figuras mais admiradas da esquerda latino-americana, também o colocaram em maus lençóis.

Uma dessas situações ocorreu quando foi flagrado ofendendo Cristina Kirchner, então presidente da Argentina, afirmando que “essa velha é pior que o caolho” (referindo-se a Néstor Kirchner, falecido marido de Cristina). Mesmo após se desculpar, a relação entre a Argentina e o Uruguai seguiu estremecida.
O ex-presidente também fez declarações sobre a corrupção no Brasil, chamando-a de “algo inexplicável”, e sobre Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, a quem se referiu como “louco como uma cabra”. Apesar das polêmicas e desafetos, Pepe Mujica soube, ao longo de sua trajetória, angariar aliados importantes, como o presidente Lula.
Eleito presidente com 52,2% dos votos, Mujica foi o candidato único da Frente Ampla e tomou posse no dia 1º de março de 2010. O político se recusou a viver no palácio presidencial e conduziu um dos governos considerados mais progressistas da América Latina. Entre seus feitos, estão a redução da pobreza de 37% para 11% e um aumento de 250% no salário mínimo.
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Fusca, maconha e aborto
O ex-presidente foi alvo de dúvidas até mesmo por parte de colegas de partido quando eleito, devido ao seu estilo de vida. Mujica morava na mesma casa, um sítio simples no interior de Montevidéu, há décadas. Usava sapatos como alpargatas, mesmo em compromissos oficiais, e sempre foi visto dirigindo e dando carona para autoridades e intelectuais, como Noam Chomsky, em seu Fusca 1978. Sua visão de estilo de vida era de “sobriedade no viver”, ao contrário de “valorização da pobreza”, como diziam seus críticos.
Apesar dos temores iniciais, até mesmo de aliados, Pepe saiu com 65% de aprovação da população e foi responsável por importantes avanços na agenda progressista uruguaia, como a liberação da maconha para uso pessoal e a legalização do aborto, em 2012, além da regulamentação do casamento entre homossexuais, em 2013.

Ao ser perguntado sobre os dois temas, o político rebatia não com falas de apoio ou simpatia pelas causas, mas sim com pragmatismo. Em sua visão, se o hábito do uso de drogas é reprovável, ainda mais reprovável é o narcotráfico. Como o uso deve ser combatido, a entrega de jovens ao tráfico é o que pode ser remediado com a liberação.
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“Se para ser livre preciso fumar ou beber uma droga, estou lascado. A liberdade está aqui, em minha cabeça. Se não está aqui em minha cabeça, não tenho liberdade”, afirmou a um jornalista que lhe ofereceu um cigarro de maconha logo após a liberação do uso da droga no Uruguai.

Na mesma linha, com a visão de que o aborto é algo indesejável, a melhor maneira de acolher e demover mulheres de realizá-lo seria a legalização, sobretudo para aquelas que são mais humildes ou solteiras.
A regulamentação do casamento entre homossexuais também foi comentada com naturalidade, tratando o tema como algo que ocorre ao longo da história. “Dizem que é moderno, mas é mais antigo do que todos nós. É uma realidade objetiva. Existe. E não legalizar seria torturar as pessoas desnecessariamente”, afirmou.
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Flores e guerrilha

A infância de Mujica foi marcada pela morte do pai, quando ele tinha apenas seis anos. O político se tornou floricultor na juventude para ajudar a sustentar a família, vendendo flores para feiras e floriculturas. Durante sua presidência, continuou cultivando plantas para ter sementes e poder voltar a plantar quando deixasse o cargo político.
As atividades como militante político começaram por influência familiar no Partido Nacional, onde Mujica chegou ao cargo de secretário da juventude. Em 1962, fundou um grupo chamado União Nacional, que atuava como um braço do Partido Socialista e, na sequência, ingressou na guerrilha por meio do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros.

O grupo entrou em conflito com as forças do Estado, o que culminou no golpe de Estado de 1973. O governo militar instaurado na sequência durou até 1985. De acordo com dados do governo do Uruguai, milhares de pessoas foram torturadas e 197 desapareceram à força. O ex-presidente foi preso quatro vezes durante esse período e, mesmo com duas fugas, ficou quase quinze anos encarcerado. Sua saída definitiva da prisão ocorreu pela anistia decretada em 1985.
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Começava aí sua carreira política, com a criação do Movimento de Participação Política (MPP) dentro da coalização Frente Ampla, e com a eleição para deputado em 1994. Cinco anos depois, tornou-se senador. Em 2005, assumiu o cargo de ministro da Agricultura no governo de Tabaré Vázquez, seu último cargo antes da presidência.
Após seu período como presidente, Mujica foi eleito senador de 2015 a 2018. O ex-presidente anunciou que estava com câncer em uma coletiva de imprensa em abril de 2024 e, em janeiro de 2025, declarou que o câncer de esôfago havia se espalhado para o fígado.