Mundo árabe condena Trump por plano para Gaza

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A ideia do presidente dos EUA, Donald Trump, de assumir o controle de uma Gaza despovoada foi amplamente bem recebida em Israel, onde autoridades elogiaram a proposta surpresa como um meio de reforçar a segurança após a guerra contra o Hamas.
Já no mundo árabe, a sugestão foi recebida de forma diferente. A Arábia Saudita classificou o plano como uma “violação dos direitos legítimos do povo palestino” — posição que foi ecoada por diversos governos do Oriente Médio.

A reação inicial, de ambos os lados, foi de confusão. Nem mesmo Israel esperava que o novo presidente dos EUA sugerisse que seu país assumisse o território palestino costeiro para reconstruí-lo e transformá-lo em uma nova “Riviera”. Segundo Trump, a abordagem exigiria a remoção de mais de 2 milhões de palestinos de Gaza, com a possibilidade até mesmo do envio de tropas americanas.

“Os EUA vão assumir o controle da Faixa de Gaza”, disse Trump na terça-feira, em uma coletiva de imprensa ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. “Seremos responsáveis por eliminar todas as bombas não detonadas e outras armas no local.”

As declarações de Trump ampliaram o debate sobre o futuro de Gaza, devastada após 16 meses de guerra entre Israel e o Hamas, grupo militante apoiado pelo Irã que governa o território. A grande maioria da população foi deslocada para campos de refugiados devido aos intensos bombardeios israelenses, e itens essenciais, como remédios, alimentos e água potável, estão em falta.

Um cessar-fogo de seis semanas começou no mês passado — um acordo mediado pelos EUA, Catar e Egito, pelo qual Trump reivindica o crédito. As negociações para uma segunda fase começaram esta semana, e um alto funcionário árabe, sob condição de anonimato, disse que as declarações do presidente dos EUA podem prejudicar as tratativas.

Segundo essa fonte, os palestinos provavelmente resistiriam a qualquer tentativa de deslocamento, e o Irã exploraria a indignação gerada pela proposta, aumentando ainda mais as tensões na região.

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Antes da reunião na Casa Branca, Trump já havia promovido a ideia de que os palestinos deveriam ser reassentados no Egito ou na Jordânia enquanto Gaza fosse reconstruída, uma proposta rejeitada tanto pelas autoridades palestinas quanto por estados árabes, incluindo a Arábia Saudita.

Apoio em Israel, oposição no mundo árabe

Em Israel, foi difícil encontrar quem discordasse de Trump.

Políticos da extrema-direita receberam a ideia com euforia. Líderes como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, há tempos defendem a anexação de Gaza e da Cisjordânia por Israel. Figuras mais moderadas manifestaram apoio, mas também preocupação com o impacto da proposta sobre o cessar-fogo com o Hamas.

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“Trump demonstrou um pensamento criativo, original e interessante, que deve ser analisado junto com os objetivos da guerra e a prioridade máxima, que é o retorno de todos os reféns”, disse Benny Gantz, ex-ministro da Defesa que deixou o governo Netanyahu em junho, criticando a condução do conflito.

Yair Lapid, líder da oposição e ex-primeiro-ministro, questionou a viabilidade da ideia, dada a ampla rejeição no Oriente Médio, especialmente entre os próprios palestinos.

“Precisamos ver planos organizados para dizer se isso é factível, mas a própria ideia de que Gaza possa se tornar a Riviera do Mediterrâneo, sem representar uma ameaça a Israel, é importante”, disse Lapid à rádio do Exército de Israel nesta quarta-feira.

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Ao longo do conflito, Israel deixou claro que pretende manter o controle de segurança sobre Gaza por tempo indeterminado. O governo afirma que essa medida é essencial para evitar uma repetição dos ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, que deflagraram a guerra. Também quer garantir a eliminação do Hamas como força militar e governamental.

No entanto, a coalizão de Netanyahu ainda não apresentou uma solução clara para o “dia seguinte” em Gaza. A questão de quem governará o território e supervisionará a reconstrução é um ponto crítico nas negociações para estender o cessar-fogo. A Autoridade Palestina (AP), reconhecida internacionalmente e que administra partes da Cisjordânia, manifestou interesse em assumir o controle da região — mas Israel rejeitou essa possibilidade.

A AP rejeitou de imediato a proposta de Trump, afirmando que “se opõe a qualquer tentativa de deslocamento do povo palestino de sua terra natal”, segundo um comunicado de Hussein Al Sheikh, chefe da Autoridade Geral de Assuntos Civis na Cisjordânia.

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Na semana passada, o primeiro-ministro da AP, Mohammad Mustafa, disse à Bloomberg que Gaza pode ser reconstruída sem que ninguém seja deslocado. Segundo ele, Trump “pode realmente nos ajudar a fazer o acordo certo, um acordo equilibrado que possa, esperançosamente, encerrar o conflito na região”.

Já o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, afirmou que as declarações de Trump são “uma receita para o caos e o aumento das tensões na região”.

Reações favoráveis ajudam Netanyahu

As reações positivas da extrema-direita israelense às declarações de Trump representam uma boa notícia para Netanyahu, que viajou a Washington sob pressão de aliados como Smotrich, que ameaçavam derrubar o governo caso ele não se comprometesse a retomar a guerra contra o Hamas. O entusiasmo do ministro das Finanças com a proposta americana desviou a atenção desse tema.

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“O plano apresentado ontem pelo presidente Trump é a verdadeira resposta ao 7 de outubro”, disse Smotrich nesta quarta-feira. “Quem cometeu o massacre mais terrível em nosso território verá sua terra perdida para sempre.”

No entanto, ele evitou repetir ameaças anteriores de abandonar o gabinete caso um cessar-fogo permanente fosse estabelecido.

Resistência no mundo árabe

O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, classificou o plano de Trump como “inaceitável”.

“A questão do deslocamento forçado é algo que nem a região nem nós podemos aceitar”, disse ele à agência estatal Anadolu. “É um erro até mesmo abrir essa discussão.”

A Turquia — assim como muitos países muçulmanos — tem sido fortemente crítica à guerra de Israel em Gaza. Ancara suspendeu o comércio com Israel e, em novembro, impediu o presidente israelense, Isaac Herzog, de sobrevoar seu espaço aéreo.

A Arábia Saudita reiterou seu apoio à criação de um Estado palestino e condenou “qualquer violação dos direitos legítimos do povo palestino, seja por meio de políticas de assentamento israelenses, anexação de terras ou tentativas de deslocamento forçado”.

O papel de Riad pode ser crucial, já que Trump busca garantir a normalização das relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e Israel.

No curto prazo, o foco está nas negociações para o cessar-fogo. Israel e Hamas ainda estão distantes em questões cruciais que permitiriam o início de uma segunda fase do acordo no começo de março.

Steve Witkoff, enviado especial de Trump para o Oriente Médio, indicou que deseja que Israel se comprometa com a segunda fase do cessar-fogo, que supostamente levaria a um fim permanente das hostilidades. No entanto, Trump e Netanyahu pouco mencionaram o tema durante sua coletiva de imprensa.

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