Tesouro IPCA+8%, Tesouro Prefixado e CDB a 110% do CDI. Investimentos comuns, relativamente seguros e regulados, certo? Para o Instagram, nem tanto. Educadores financeiros brasileiros relataram para a reportagem do InfoMoney que receberam punições por publicarem conteúdos sobre esses produtos. As restrições, segundo eles, afetaram seus negócios.
Alguns foram proibidos de fazer lives por um ano. Outros deixaram de aparecer nas buscas ou tiveram o alcance das publicações limitado apenas aos seguidores. Houve quem ficasse impedido de fazer publicidade com parceiros – e até quem recebesse mais de uma punição ao mesmo tempo.
Nas justificativas para as punições, a rede social afirmava, conforme relatos e prints compartilhados, que os conteúdos publicados pelos influenciadores pareciam promover golpes. Em outros casos, a Meta, dona do Instagram, alegava que os veículos financeiros divulgados poderiam facilitar a lavagem de dinheiro e não seguiam o padrão da comunidade sobre armas, medicamentos e outros produtos.
Procurada, a empresa disse que não irá comentar o assunto. A reportagem enviou oito perguntas questionando o sistema de penalidades e as diretrizes para divulgação de produtos financeiros regulados. Nas regras disponíveis na internet, a Meta cita uma série de conteúdos que podem ser bloqueados e podem causar punições, como ”oferecer empréstimos que exigem que o usuário pague uma taxa adiantada para obter um empréstimo” ou oferecer ”oportunidades de investimento em que os retornos do investimento são garantidos ou sem risco” – recomendações nas quais os títulos públicos não se enquadram.
Punidos por falarem de títulos públicos
O influenciador Rafael Zattar, com 125 mil seguidores, recebeu duas punições: uma por falar sobre ativos geradores de renda e passivos, e outra por publicar conteúdo sobre o Tesouro Prefixado. “Fiquei um ano sem live [entre abril de 2023 e abril de 2024] por causa disso e tive meu alcance reduzido – antes era de 6 a 7 milhões de impressões por mês, mas caiu para 1 a 2 milhões.”
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Segundo Zattar, no caso do título público, o Instagram alegou que se tratava de uma promessa de retorno financeiro. “Algo que não faz sentido, pois o governo federal divulga esses dados abertamente. É um produto 100% regulamentado, informação pública e transparente.” Ele disse que chegou a reportar o problema, mas não obteve resposta.

Bruno Perini, influenciador com 3,1 milhões de seguidores, também foi punido com um ano sem lives por causa de um post sobre título público. “Eu só postei um print de um título público IPCA+ que estava pagando quase IPCA+8%, com a frase ‘parabéns aos envolvidos’. Disseram [o suporte do Instagram] que eu estava divulgando um possível golpe. Ou seja, chamaram um título público de golpe.”

O caso de Perini, sócio do Grupo Primo, foi resolvido após contato com a gerente de contas do Facebook que atende a empresa – algo que os outros influenciadores citados neste texto não têm. “Como grupo, a gente investe via Facebook em anúncios alguma coisa da ordem de R$ 40 milhões por ano. Aí por isso eles falaram que iriam dar uma olhada no caso. Realmente foi um erro, falaram, e que não era pra isso ter acontecido, mas não me explicaram o porquê até hoje.”
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Ele fez um desabafo. ”Quem divulga aposta esportiva [bets] está tranquilo, né? Ninguém é banido. Inclusive tem vários posts com golpes aí, com foto minha e de outros, falando pra entrar em grupo do WhatsApp para receber indicações de ações que vão subir 30%, e isso deixam rodar. Agora, quando a gente coloca um post falando de um título público, eles vão lá e tiram. É muito estranho.”
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Só resolveu após vídeo viral
O influenciador Eduardo Feldberg, conhecido como Primo Pobre, costumava ganhar 100 mil seguidores por mês no Instagram. Um dia, percebeu que não crescia mais. Ao entrar nas configurações do perfil, que hoje tem 2,9 milhões de followers, viu várias restrições: sem lives, alcance limitado por três meses e proibição de fazer merchan. Motivo: um reels sobre um CDB do Banco Safra pagando 110% do CDI.
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“Quando entrei em contato com o Instagram, o suporte respondeu que o post poderia ser um golpe financeiro. Eu falei: caramba, mas você é um anjo de investimento? Isso aqui é um CDB. CDB é o investimento mais seguro, conservador, aprovado pelo Banco Central. Ele respondeu que não tinha o que fazer, porque tudo é automatizado e vem lá de cima, da Meta dos Estados Unidos. Daí eu fiquei doido e postei um vídeo sobre a situação.”
O vídeo viralizou. Nos comentários, dezenas de influenciadores relataram o mesmo problema. Três dias depois, o Instagram liberou todos os recursos. “Mas agora eu fico sempre na dúvida se vai dar ruim ou bom quando vou postar algo, porque eles definitivamente não têm um critério pra analisar o que é coisa boa, o que é ruim, o que é sério, o que não é.”

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Influenciadora segue bloqueada
Elisiane Moreira, criadora de conteúdo sobre finanças com 2,8 milhões de seguidores, está com restrições desde dezembro de 2024. Ela não pode fazer lives por 272 dias – o bloqueio termina apenas em fevereiro de 2026. Sua conta também não aparece para não seguidores: é preciso digitar o nome exato para encontrá-la.
Seis vídeos foram bloqueados. Todos tratavam de produtos financeiros regulados ou de temas como juros compostos e diversificação em dólar. “Disseram que eu estava promovendo esquemas de ganhar dinheiro rápido e até facilitação de lavagem de dinheiro”.

Sem um atendimento direto com a Meta, Elisiane só pode recorrer pelas ferramentas da plataforma. “Mas é muito difícil se defender em relação à Meta porque eles são muito genéricos em relação às acusações. A gente também, no nosso parecer, precisa ser genérico, porque a gente não sabe do que está se defendendo”, falou ela, que também é advogada.
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Ela afirma que a situação prejudicou o negócio de mentorias. “Era normal receber mil, dois mil, três mil seguidores por dia. Hoje em dia, eu perco seguidores. Perco 500, mil, 700 por dia… Prejudicou o negócio da família [que envolve mentorias e cursos]. A gente vivia em Curitiba, mas fomos para São Paulo, em 2023, porque todo o digital acaba sendo na cidade. Mas agora a gente vive um dilema, porque prejudicou muito a vinda de novos potenciais clientes.”
Na semana passada, ela entrou com uma ação contra a Meta. O juiz deferiu a tutela de urgência no processo, determinando que o Facebook removesse as restrições impostas à sua conta no Instagram e restabelecesse integralmente todas as funcionalidades, especialmente aquelas voltadas à criação e gerenciamento de anúncios. ”A decisão reconheceu que o bloqueio foi indevido, feito sem justificativa concreta ou oportunidade de defesa, e que a situação está gerando prejuízos à sua atividade profissional”, disse.
Regras da Anbima
A Anbima foi questionada sobre a situação dos influenciadores. Amanda Brum, superintendente de Comunicação, Marketing e Relacionamento com Associados, disse que a associação não regula a atividade de influenciadores de finanças. Mas, como autorreguladora do mercado financeiro, “tem regras que devem ser seguidas por instituições dos mercados financeiro e de capitais que contratam influenciadores para fazer publicidade de produtos e serviços financeiros nas redes sociais”.
Algumas das regras são a obrigação de o influenciador digital exercer as ações de publicidade com boa-fé, transparência e diligência, bem como explicitar em suas publicidades, de forma clara, que se trata de publicidade de produtos de investimento, serviços de intermediação no exterior ou atividade de distribuição.