Nas últimas semanas, os aplicativos de entrega de comida têm feito barulho – e não estamos falando do som das “motocas” que correm a cidade para entregar os pedidos nas casas dos clientes. De forma praticamente simultânea, concorrentes do app iFood anunciaram estratégias em que abrem mão de receita ao zerar taxas cobradas aos restaurantes.
Pretendem, ao fazer isso, atrair novos estabelecimentos para suas plataformas e reduzir preços ao consumidor, com o argumento de ir “contra o monopólio do delivery no Brasil”. Já tem associação aproveitando a deixa para convocar boicote contra a empresa líder de mercado, enquanto uma novata chinesa também se prepara para ingressar no setor.
A Meituan, gigante de tecnologia avaliada em mais de R$ 600 bilhões na Bolsa de Hong Kong, anunciou entrada oficial no delivery brasileiro, com um plano de investimento de R$ 5,6 bilhões para os próximos cinco anos. A operação vai ter a marca Keeta, já utilizada pela companhia em mercados na Ásia e Oriente Médio, mas ainda não tem data para estrear por aqui.
Brasileira de controle chinês, a 99 também anunciou a ressurreição de seu braço de entrega de comida. O 99 Food havia sido encerrado em 2023, repetindo o fracasso do Uber Eats, descontinuado um ano antes. É relançado agora, dentro de um plano de investimento de R$ 1 bilhão que almeja transformar a 99 em um super app. E com isenção de pagamento de comissão e mensalidade para os restaurantes cadastrados, por dois anos.
“Estamos devolvendo o controle do mercado para quem cozinha e quem entrega”, afirmou Bruno Rossini, diretor sênior da 99, no comunicado sobre a novidade. Dias depois, o Rappi “cobriu” a oferta, oferecendo isenção de taxas por tempo indeterminado.
A startup colombiana está cobrando apenas as taxas de meios de pagamento para novos entrantes que utilizarem a plataforma pelo modelo full service, no qual o Rappi opera a logística da entrega. Entre maio e junho, a gente vai migrar contratos dos restaurantes que já estão na plataforma, de maneira faseada. Vamos zerar [as taxas] para todo mundo”, disse Felipe Criniti, CEO do Rappi, em entrevista InfoMoney na semana passada.
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Coincidência ou apenas bom timing, o iFood lançou no último dia 7 de maio uma campanha para reposicionar a marca como uma plataforma de conveniência multicategoria. A empresa quer se posicionar como plataforma de tecnologia além da entrega de refeições, com atuação no delivery de compras em mercados, farmácias, pet shops e outros varejistas.
Hoje, o iFood cobra de 12% a 23% de comissão sobre o valor total de pedidos, taxa de pagamento de 3,2% sobre pedidos pagos na plataforma e uma mensalidade que varia entre R$ 130 e R$ 150, de acordo com o plano contratado.
Entidade propõe boicote contra iFood
Enquanto as concorrentes tentam manter alguma discrição, sem mencionar nominalmente o iFood em suas novas estratégias, a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) foi explícita ao promover um boicote ao aplicativo de entregas.
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“A plataforma, não de hoje, prejudica os empresários do segmento, ao praticar taxas exorbitantes e não ter critério seguro para o credenciamento dos restaurantes”, diz a orientação da entidade, que diz representar 500 mil estabelecimentos.
A Fhoresp alega que tentou negociar os valores das taxas cobradas com iFood nos últimos anos, sem sucesso. “As taxas excessivas que pratica, inclusive, fazem com que, praticamente, os restaurantes trabalhem para ela [a plataforma]”, aponta, no texto, o diretor-executivo da Federação, Edson Pinto.
Ainda segundo a entidade, o iFood admite a entrada de estabelecimentos sem alvará de funcionamento ou controle sanitário na plataforma.
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“Para se ter uma ideia, a Fhoresp pediu ao iFood a obrigatoriedade de alvará de funcionamento do estabelecimento ou o expedido pela Vigilância Sanitária como condição para atuar na plataforma. Contudo, foi negado. Isso é um risco à saúde pública, porque não se tem garantia de onde o consumidor está comprando a alimentação, a procedência dos produtos, bem como o armazenamento e a manipulação”, diz o comunicado da Fhoresp.
Procurado pelo InfoMoney, o iFood se manifestou por meio de nota oficial, na qual diz que “o mercado de delivery já é altamente competitivo e pulverizado”. A empresa nega ser dona de mais de 90% do mercado de delivery, conforme tem sido propagado por entidades do setor de bares e restaurantes.
“O mercado de delivery já é altamente competitivo e pulverizado. Cerca de 65% dos pedidos de delivery no Brasil ainda acontecem pelo WhatsApp, telefone e aplicativos próprios dos restaurantes”, diz a nota do iFood. No texto, a empresa também afirma ser defensora do livre mercado e da livre concorrência.
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O comunicado do iFood não rebate a acusação da Fhoresp sobre falta de critério na inclusão de estabelecimentos na plataforma. A empresa não disponibilizou porta-voz para entrevista.
Qual o tamanho de mercado do iFood?
A própria Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) já afirmou que a plataforma possui 86% de market share e usou o dado em processos contra o iFood que chegaram ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
As ações foram movidas por concorrentes com a justificativa de que a plataforma impunha contratos de exclusividade com os restaurantes. A autarquia fechou um acordo com o iFood em 2023, impedindo que o app assinasse contratos exclusivos com mais de 30 lojas e reduzindo o tempo desses acertos a, no máximo, dois anos.
A Abrasel diz não endossar a posição da Fhoresp. “Jamais vamos propor um boicote”, afirmou Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel, ao InfoMoney. “Nós queremos que as empresas concorram com melhores serviços e condições, não eliminar uma empresa. Não faz o menor sentido”.
Solmucci diz que o diálogo com o IFood é “excelente”, mas também afirma que a Abrasel “será uma adversária da plataforma no que diz respeito a eventuais práticas anticompetitivas”.
“Se tentarem dificultar de alguma forma a entrada de Meituan, Rappi ou 99, obviamente vamos buscar trabalhar para evitar isso e o lugar preferencial é o Cade”, afirma Solmucci.